
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina, nesta quarta-feira (27), no Palácio do Planalto, o decreto que regulamenta a TV 3.0, a nova geração da tecnologia de televisão aberta e gratuita no Brasil. De acordo com o Ministério das Comunicações, essa inovação promete transformar a maneira como os brasileiros consomem conteúdo televisivo.
“Com mais interatividade, qualidade sonora aprimorada e imagens superiores, o novo sistema moderniza o setor e coloca o país na vanguarda da radiodifusão mundial”, destaca a pasta.
Designada como “a televisão do futuro”, a TV 3.0 integrará serviços de internet (broadband) à tradicional transmissão de sons e imagens (broadcast). Isso permitirá que os telespectadores interajam com a programação por meio de aplicativos e até realizem compras diretamente do televisor, criando novas fontes de receita para as emissoras.
No ano passado, o conselho deliberativo do Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), responsável pela nova geração, recomendou ao governo federal a adoção do sistema ATSC 3.0 como padrão para a evolução da TV digital. O decreto presidencial também definirá novas funcionalidades e um cronograma de migração, que será gradual, começando pelas grandes cidades, à semelhança do que ocorreu com a TV digital. A expectativa é que parte da população brasileira tenha acesso à TV 3.0 durante a Copa do Mundo de 2026.
“A televisão aberta na era digital proporcionará maior interatividade e personalização, como votações em tempo real, conteúdos adicionais, serviços de governo digital, alertas de emergência, novos recursos de acessibilidade e até T-commerce, que permitirá compras pelo controle remoto. A TV 3.0 representa não apenas uma evolução tecnológica, mas uma renovação do compromisso da radiodifusão com a informação, a cultura e a ética”, afirma Raymundo Barros, diretor de Estratégia de Tecnologia da Globo e presidente do Fórum SBTVD, em entrevista à Agência Brasil.
Um dos principais avanços da TV 3.0 será sua interface baseada em aplicativos, que permitirá que as emissoras ofereçam, além do sinal aberto, conteúdos adicionais sob demanda, como séries, jogos e outros programas.
“Isso mudará a maneira como o telespectador acessa a programação. Os canais estarão em destaque num catálogo de aplicativos, com ícones semelhantes aos canais tradicionais. A troca rápida entre canais não desaparecerá; a pesquisa mostrou a importância do ‘zapeamento’, que se traduz na troca ágil entre aplicativos de emissoras na TV 3.0”. Marcelo Moreno, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e especialista em TV digital, enfatiza ainda que esse modelo devolve visibilidade à TV aberta nos receptores e favorece a interatividade e personalização.
Retomada do Protagonismo
O engenheiro Guido Lemos, professor titular do Departamento de Sistemas de Computação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), acredita que a TV 3.0 possibilitará a recuperação da relevância da televisão frente à crescente popularidade dos serviços de mídia sob demanda (OTT), como os canais de streaming. “Observe que muitas TVs nas residências brasileiras, especialmente entre os usuários de maior renda, já não estão conectadas a antenas de recepção de TV aberta”, aponta.
Os novos aparelhos da TV 3.0 virão com uma tela inicial que apresentará um catálogo de canais abertos, ao contrário do que ocorre nas interfaces atuais das SmartTVs, onde os aplicativos de OTT predominam. “O destaque do ícone DTV Mais na tela inicial e no controle remoto representa um retorno do espaço que a TV aberta perdeu”. Lemos acredita que esse movimento pode reverter a diminuição no número de usuários desse tipo de serviço.
Nos últimos anos, houve uma queda na proporção de domicílios brasileiros com sinal de TV e assinatura de serviços de TV paga, enquanto os serviços de streaming têm aumentado, abrangendo quatro em cada dez lares com televisão.
Campo Público
No setor público, a TV 3.0 terá um papel crucial ao destacar emissoras educativas por meio da Plataforma Comum de Comunicação Pública e do Governo Digital, que visa garantir acesso a serviços públicos diretamente pela televisão. Mesmo em áreas sem sinal de radiodifusão, a conexão pela internet poderá suprir essa necessidade.
“Haverá uma plataforma comum que integrará os canais da União, permitindo que todo televisor conectado à internet acesse conteúdo dessas emissoras públicas. É importante lembrar que mais de 50% dos televisores no Brasil estão conectados à internet”, explica Carlos Neiva, vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas (Astral).
“Esses não serão apenas canais, mas aplicativos. A rede legislativa, a TV Brasil e o Canal Gov terão aplicativos que não só exibirão conteúdo linear, como também oferecerão conteúdo sob demanda, semelhante às plataformas de streaming”, complementa.
Para viabilizar essa plataforma, Marcelo Moreno, da UFJF, afirma que já estão sendo desenvolvidos projetos entre academia e setor privado para criar aplicativos e ferramentas específicas para a comunicação pública, garantindo que ela se beneficie de funcionalidades avançadas como personalização e interatividade.
Principais Desafios
Entretanto, a TV 3.0 enfrenta dois desafios significativos: os custos de migração, que incluem licenciamento de tecnologia e compra de transmissores pelas emissoras, além da aquisição de conversores e receptores pelos usuários. Além disso, a universalização do acesso à internet de qualidade ainda é uma meta distante para a população.
Conforme um indicador de conectividade criado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), apenas 22% dos brasileiros com 10 anos ou mais apresentam condições satisfatórias de conectividade em relação a fatores como custo e velocidade da internet.
A proporção de lares urbanos brasileiros com internet aumentou de 13% para 85% em duas décadas, de acordo com a TIC Domicílios 2024 – cetic.br. No entanto, essa realidade ainda é desigual, com 73% dos indivíduos na classe A (mais rica) e apenas 3% nas classes D e E (mais pobres) tendo acesso adequado.