
A Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR) está atenta aos efeitos do uso indiscriminado das redes sociais por crianças e adolescentes, alertando para os perigos da adultização infantil. Esse fenômeno refere-se à perda precoce da infância, manifestando-se por meio da sexualização, da exposição financeira ou da imposição de responsabilidades inadequadas ao universo infanto-juvenil.
O defensor público Jaime Brasil, segundo titular da DPE responsável pelas Varas da Infância e da Juventude, revelou que a Defensoria já lida com vários casos locais relacionados à exposição excessiva de jovens na internet. “Temos acompanhado adolescentes que enfrentam situações delicadas, como envolvimento em grupos virtuais de violência, incentivo à automutilação e isolamento social. Roraima não está imune a esses problemas, pois não há lugar no mundo livre dessas influências. Assim, o monitoramento familiar é fundamental”, afirmou.
Ao explicar o conceito de adultização, o defensor ressaltou que a problemática vai além da exploração sexual. “Adultização não se resume apenas à erotização de crianças e adolescentes. Ela também se manifesta através de coaches financeiros mirins, pastores infantis e influenciadores que distorcem a importância dos estudos. Tudo isso configura um desvio do universo infantil, imposto pela busca de fama ou dinheiro, e acaba amputando a infância”, declarou.
Deficiências na Legislação e na Supervisão Familiar
O debate sobre o tema ganhou destaque nacional após as denúncias do influenciador digital Felca e a prisão do youtuber Hytalo Santos. Nesse contexto, Jaime Brasil criticou a dependência das instituições brasileiras em relação a influenciadores para pautar assuntos tão sérios. “Não deveríamos depender de agentes externos para abordar esses temas relevantes. Embora o Felca tenha prestado um serviço importante à sociedade, ele não é remunerado para isso. A justiça precisa agir de acordo com a gravidade do problema”, destacou.
Uma pesquisa da TIC Kids Online, do Cetic.br, revelou que 93% dos brasileiros com idades entre 9 a 17 anos utilizam a internet, totalizando cerca de 24,5 milhões de crianças e adolescentes. Desses, 83% possuem perfil em redes sociais e 30% relataram ter contato com desconhecidos. Em 2024, a SaferNet Brasil registrou mais de 53 mil denúncias de abuso e exploração sexual infanto-juvenil online.
Em relação a esses dados, o defensor considera a legislação atual excessivamente branda. “Hoje, a penalidade para quem compartilha ou armazena imagens sexuais de crianças e adolescentes é de até quatro anos, conforme o artigo 241-B do ECA. Essa pena é insuficiente, pois quem é primário nem chega a cumprir prisão. Precisamos de leis mais rigorosas”, enfatizou.
Brasil afirma que há um atraso institucional na adaptação às realidades digitais. “Após uma exploração infantil ou casos de automutilação que podem levar ao suicídio, nenhuma decisão judicial pode restaurar a vida perdida. Precisamos prevenir a publicação desses conteúdos. As empresas que não controlarem essas postagens devem ser responsabilizadas. Liberdade de expressão não pode servir de escudo para crimes”, concluiu.

Iniciativa da Defensoria nas Escolas
A psicóloga da Defensoria, Dellyane Torres, alerta que a adultização infantil pode acarretar graves consequências psicológicas. “Quando uma criança assume responsabilidades que não condizem com sua idade, ela se torna mais vulnerável a problemas como baixa autoestima, insegurança, ansiedade e depressão. Isso gera sofrimento tanto para a criança quanto para o adolescente, que não estão preparados para lidar com essas situações”, comentou.
Os sinais mais comuns incluem preocupação excessiva com a aparência, irritabilidade, estresse e retraimento social, quando o jovem prefere a companhia de adultos em vez de interagir com seus pares. “O ambiente familiar deve ser um espaço seguro e acolhedor, propício ao diálogo, onde a criança se sinta confortável para compartilhar suas experiências. É vital viver cada fase de forma saudável”, completou.
A psicóloga mantém contato direto com adolescentes de escolas públicas de Roraima através do Programa Descomplica, da Câmara de Conciliação da DPE-RR. Essa iniciativa promove oficinas de diálogo e mediação de conflitos nas escolas, facilitando a aproximação da Defensoria com a juventude e estabelecendo um espaço de escuta. Durante esses encontros, também são abordadas questões internas, como bullying e convivência entre colegas, além de situações externas, como conflitos familiares e diferentes formas de violência.
“Precisamos definir até onde nossas crianças e adolescentes têm acesso nas redes sociais. Esse cuidado e proteção são essenciais para evitar que sofram impactos emocionais e para que não se tornem adultos incapazes de gerenciar conflitos complexos, resultado de uma infância e adolescência inseguros e insalubres”, concluiu Dellyane.
Canais de Denúncia
A Defensoria Pública reafirma que a proteção da infância e juventude é responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. Casos de exploração, abuso ou exposição indevida devem ser denunciados ao Conselho Tutelar, à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), pelo Disque 100 – Direitos Humanos ou pelo Disque 125 – Coordenação de Denúncias de Violação de Direitos da Criança e do Adolescente (Cisdeca). Em Roraima, qualquer pessoa pode procurar uma unidade da Defensoria Pública, nas comarcas do interior ou na Sede Cível da capital Boa Vista, localizada na Av. Sebastião Diniz, nº 1165 – Centro.